quarta-feira, 12 de maio de 2010

Décimas

Se amor vive além da morte,
Eterno o meu há-de ser:
Se amor dura só na vida
Hei de amar-te até morrer.

GLOSA

Que um peito, Anália, sensível,
Desses teus olhos ferido
Nao te caia aos pés rendido,
Me parece um impossível.
Antes só tenho por crível
Que todo a ti se transporte,
E te reste amor tão forte,
Em teu serviço jocundo,
Que te ame além do mundo
Se amor vive além da morte.

Por essa força atrativa
Que te pôs a natureza,
Minha alma antes ilesa
Já de si se vê cativa.
De amor numa chama viva
O peito sinto-me arder;
E se posso hoje prever
Os sucessos do futuro,
Entre os fogos de amor puro
Eterno o meu há de ser.

Mais forte que o gordiano,
É o nó que a ti me prende;
Fica certa que não fende
Da morte o ferro tirano;
Porque trazer-te-ei ufano
Num fundo d'alma esculpida,
Ou o nada reduzida
Deve ser a minha essência;
Que nego a sobrevivência
Se amor dura só na vida.

Em ambos suposições
Não és de mim separada;
Que me estás amalgamada
Da mente nas sensações;
E pois modificações
Só por si não pode ser,
Hás de eterna em mim vier,
Se eu tenho uma alma imortal;
Ou se ela é material,
Hei de amar-te até morrer.

Frei Caneca
(1779-1825)

Eu amo o gênio

Eu amo o gênio, cujo raio esplêndido
Tirou-me o pranto no pungir da dor;
Há sempre um gozo no correr das lágrimas,
Há sempre um riso no murchar da flor...

Vê-se no templo se elevar o incenso
Puro, expressivo que se queima aí;
E Deus aspira o matinal perfume
D'etéreas flores que espalhou em ti...

Quando, sublime de sofrer, m'alma
Rompe dos prantos o sombrio véu,
São glórias tuas, virginais desmaios,
Quedas de rosas nos jardins do céu.

E quem não sente clarear o sonho,
A idéia santa dum viver melhor?
E as harmonias dum amor que torna
A fronte altiva, o coração maior?

Na voz dos mares, na expressão dos ventos
Há um mistério de fazer pensar...
Nas forças d'alma, no poder do gênio
Há um segredo que me faz chorar...

Tobias Barreto
(1839-1889)

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Conversas

Momentos muito breves,
Por teus lábios cantados,
Tornam-se doces horas;
Minutos infinitos;
Retratos eternizados.

Salgueiro, março de 2010

J.R. Maciel

sábado, 1 de maio de 2010

O rio

Um dia te mostrei o rio.
Não era o Tejo,
Da janela da casa, apenas um fio.
Mas era alegre este rio.

Mostrei o rio,
dei flores,
dei este piso,
dei a loucura da cama quente.

Mas tu querias a lua,
e esta não pude dar.
Hoje há andaimes e homens
e o rio não posso olhar.

J.R. Maciel