Não me privarei dos sentidos:
Não arrancarei meus olhos,
Nem taparei meus ouvidos.
Não me privarei das vontades:
Se encontrar o teu corpo,
Mais longa será esta tarde.
J.R. Maciel
domingo, 28 de fevereiro de 2010
Blowin’ in the wind
How many roads must a man walk down,
Before you call him a man?
How many seas must a white dove sail,
Before she sleeps in the sand?
Yes and how many times must cannonballs fly,
Before they're forever banned?
The answer, my friend, is blowin' in the wind
The answer is blowin' in the wind
Yes and how many years can a mountain exist,
Before it's washed to the seas (sea)
Yes and how many years can some people exist,
Before they're allowed to be free?
Yes and how many times can a man turn his head,
Pretend that he just doesn't see?
The answer, my friend, is blowin' in the wind
The answer is blowin' in the wind.
Yes and how many times must a man look up,
Before he can see the sky?
Yes and how many ears must one man have,
Before he can hear people cry?
Yes and how many deaths will it take till he knows
That too many people have died?
The answer, my friend, is blowin' in the wind
The answer is blowin' in the wind.
Bob Dylan
Before you call him a man?
How many seas must a white dove sail,
Before she sleeps in the sand?
Yes and how many times must cannonballs fly,
Before they're forever banned?
The answer, my friend, is blowin' in the wind
The answer is blowin' in the wind
Yes and how many years can a mountain exist,
Before it's washed to the seas (sea)
Yes and how many years can some people exist,
Before they're allowed to be free?
Yes and how many times can a man turn his head,
Pretend that he just doesn't see?
The answer, my friend, is blowin' in the wind
The answer is blowin' in the wind.
Yes and how many times must a man look up,
Before he can see the sky?
Yes and how many ears must one man have,
Before he can hear people cry?
Yes and how many deaths will it take till he knows
That too many people have died?
The answer, my friend, is blowin' in the wind
The answer is blowin' in the wind.
Bob Dylan
sábado, 27 de fevereiro de 2010
A bunda que engraçada
A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.
Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora – murmura a bunda – esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.
A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.
A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.
Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.
A bunda é a bunda,
rebunda.
Carlos Drummond de Andrade
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.
Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora – murmura a bunda – esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.
A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.
A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.
Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.
A bunda é a bunda,
rebunda.
Carlos Drummond de Andrade
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010
Evoé
Soam os clarins:
Evoé!
Uma tempestade de pernas
e sombrinhas rasgam o ar .
Todos abandonam a tristeza e
se entregam a batida de maracujá.
Soam os apitos:
pára a orquestra.
Uma trégua muito fugaz;
no meio do sereno burburinho
cruzam-se luxuriosos olhares;
ardentes desejos emanam nos ares.
Três pancadas no surdo:
o frevo rasga.
É retomada a procissão da carne;
o povo pulsa em passos cruzados;
tesouras, ferrolhos... me segura se não caio...
em delírio coletivo seguem embriagados.
A lua desponta no cais:
são três dias nesta pisada.
J.R. Maciel
Recife, 2005
Evoé!
Uma tempestade de pernas
e sombrinhas rasgam o ar .
Todos abandonam a tristeza e
se entregam a batida de maracujá.
Soam os apitos:
pára a orquestra.
Uma trégua muito fugaz;
no meio do sereno burburinho
cruzam-se luxuriosos olhares;
ardentes desejos emanam nos ares.
Três pancadas no surdo:
o frevo rasga.
É retomada a procissão da carne;
o povo pulsa em passos cruzados;
tesouras, ferrolhos... me segura se não caio...
em delírio coletivo seguem embriagados.
A lua desponta no cais:
são três dias nesta pisada.
J.R. Maciel
Recife, 2005
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
V
Aos poucos abandonas tua luz
Celeste,
Fulgurante.
As águas de opara sorriem:
Não serão mais castigadas por ti.
Taciturno, desejo:
Queria que estivesses aqui.
E a luz fica mais pálida,
Morna,
Arrefecida,
Enfim, sombras.
É noite, eu vejo.
J.R. Maciel
Celeste,
Fulgurante.
As águas de opara sorriem:
Não serão mais castigadas por ti.
Taciturno, desejo:
Queria que estivesses aqui.
E a luz fica mais pálida,
Morna,
Arrefecida,
Enfim, sombras.
É noite, eu vejo.
J.R. Maciel
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
VI
Eu que não sou boêmio
Me expus ao sereno
Eu que não ando a pé
Cruzei a rua correndo
Eu que não creio
Me ajoelhei ao altar
Eu que não peço
Implorei teu olhar.
J.R. Maciel
Me expus ao sereno
Eu que não ando a pé
Cruzei a rua correndo
Eu que não creio
Me ajoelhei ao altar
Eu que não peço
Implorei teu olhar.
J.R. Maciel
domingo, 21 de fevereiro de 2010
M, DE MEMÓRIA
Os livros sabem de cor
milhares de poemas.
Que memória!
Lembrar, assim, vale a pena.
Vale a pena o desperdício,
Ulisses voltou de Tróia,
assim como Dante disse,
o céu não vale uma história.
Um dia, o diabo veio
seduzir um doutor Fausto.
Byron era verdadeiro.
Fernando, pessoa, era falso.
Mallarmé era tão pálido,
mais parecia uma página.
Rimbaud se mandou para África,
Hemingway de miragens.
Os livros sabem de tudo.
Já sabem deste dilema.
Só não sabem que, no fundo,
ler não passa de uma lenda.
Paulo Leminski
milhares de poemas.
Que memória!
Lembrar, assim, vale a pena.
Vale a pena o desperdício,
Ulisses voltou de Tróia,
assim como Dante disse,
o céu não vale uma história.
Um dia, o diabo veio
seduzir um doutor Fausto.
Byron era verdadeiro.
Fernando, pessoa, era falso.
Mallarmé era tão pálido,
mais parecia uma página.
Rimbaud se mandou para África,
Hemingway de miragens.
Os livros sabem de tudo.
Já sabem deste dilema.
Só não sabem que, no fundo,
ler não passa de uma lenda.
Paulo Leminski
sábado, 20 de fevereiro de 2010
Aposta
Para Carla Andréa
Não destilo o veneno,
Em bote pequeno.
Não caminho em pedras agudas,
Machucando os pés.
Melhor esperar
O que valha a pena,
À arriscar
Em aposta pequena.
J.R. Maciel
Não destilo o veneno,
Em bote pequeno.
Não caminho em pedras agudas,
Machucando os pés.
Melhor esperar
O que valha a pena,
À arriscar
Em aposta pequena.
J.R. Maciel
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
Saída do Homem da Meia-Noite - 2010
Meu irmão, isso é muito doido!
Só quem tava lá que sabe a loucura que é isso...
Essas coisas só podem acontecer em Recife e Olinda, que tem vocação pras lendas urbanas.
Lá vem o Homem da Meia-Noite...
Só quem tava lá que sabe a loucura que é isso...
Essas coisas só podem acontecer em Recife e Olinda, que tem vocação pras lendas urbanas.
Lá vem o Homem da Meia-Noite...
Noite
Quando deitas teu manto negro
Iluminado pelo argênteo noctívago,
Sinto febril e inquieta minha pena:
Sento, escrevo e divago.
Não sei se ébrio pelos quiasmas noturnos,
Ou influenciado pelo astro platíneo,
Mas quando finda o crepúsculo,
Arde mais forte o poético desatino.
J.R. Maciel
Iluminado pelo argênteo noctívago,
Sinto febril e inquieta minha pena:
Sento, escrevo e divago.
Não sei se ébrio pelos quiasmas noturnos,
Ou influenciado pelo astro platíneo,
Mas quando finda o crepúsculo,
Arde mais forte o poético desatino.
J.R. Maciel
O Albatroz (L'Albatros)
Às vezes, por prazer, os homens de equipagem
Pegam um albatoz, enorme ave marinha,
Que segue, companheiro indolente de viagem,
O navio que sobre os abismos caminha.
Mal o põem no convés por sobre as pranchas rasas,
Esse senhor do azul, sem jeito e envergonhado,
Deixa doridamente as grandes e alvas asas
Como remos cair e arrastar-se a seu lado.
Que sem graça é o viajor alado sem seu nimbo!
Ave tão bela, como está cômica e feia!
Um o irrita chegando ao seu bico em cachimbo,
Outro põe-se a imitar o enfermo que coxeia!
O poeta é semelhante ao príncipe da altura
Que busca a tempestade e ri da flecha no ar;
Exilado no chão, em meio à corja impura,
A asa de gigante impedem-no de andar.
Souvent, pour s'amuser, les hommes d'équipage
Prennent des albatros, vastes oiseaux des mers,
Qui suivent, indolents compagnons de voyage,
Le navire glissant sur les gouffres amers.
À peine les ont-ils déposés sur les planches,
Que ces rois de l'azur, maladroits et honteux,
Laissent piteusement leurs grandes ailes blanches
Comme des avirons traîner à côté d'eux.
Ce voyageur ailé, comme il est gauche et veule!
Lui, naguère si beau, qu'il est comique et laid!
L'un agace son bec avec un brûle-gueule,
L'autre mime, en boitant, l'infirme qui volait!
Le Poète est semblable au prince des nuées
Qui hante la tempête et se rit de l'archer;
Exilé sur le sol au milieu des huées,
Ses ailes de géant l'empêchent de marcher.
Charles Baudelaire
Pegam um albatoz, enorme ave marinha,
Que segue, companheiro indolente de viagem,
O navio que sobre os abismos caminha.
Mal o põem no convés por sobre as pranchas rasas,
Esse senhor do azul, sem jeito e envergonhado,
Deixa doridamente as grandes e alvas asas
Como remos cair e arrastar-se a seu lado.
Que sem graça é o viajor alado sem seu nimbo!
Ave tão bela, como está cômica e feia!
Um o irrita chegando ao seu bico em cachimbo,
Outro põe-se a imitar o enfermo que coxeia!
O poeta é semelhante ao príncipe da altura
Que busca a tempestade e ri da flecha no ar;
Exilado no chão, em meio à corja impura,
A asa de gigante impedem-no de andar.
Souvent, pour s'amuser, les hommes d'équipage
Prennent des albatros, vastes oiseaux des mers,
Qui suivent, indolents compagnons de voyage,
Le navire glissant sur les gouffres amers.
À peine les ont-ils déposés sur les planches,
Que ces rois de l'azur, maladroits et honteux,
Laissent piteusement leurs grandes ailes blanches
Comme des avirons traîner à côté d'eux.
Ce voyageur ailé, comme il est gauche et veule!
Lui, naguère si beau, qu'il est comique et laid!
L'un agace son bec avec un brûle-gueule,
L'autre mime, en boitant, l'infirme qui volait!
Le Poète est semblable au prince des nuées
Qui hante la tempête et se rit de l'archer;
Exilé sur le sol au milieu des huées,
Ses ailes de géant l'empêchent de marcher.
Charles Baudelaire
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
Evoé
Significado de Evoé:
interj. Expressa entusiasmo, exaltação, intensa alegria.
S.m. Brado de evocação a Baco nas orgias: eram evoés e brindes a ecoar em todo o recinto.
Essa expressão é uma saudação utilizada no carnaval, que em si é uma orgia de cores, sons e sensações.
Fonte: Dicionário online de Português
disponível em: http://www.dicio.com.br/evoe/
interj. Expressa entusiasmo, exaltação, intensa alegria.
S.m. Brado de evocação a Baco nas orgias: eram evoés e brindes a ecoar em todo o recinto.
Essa expressão é uma saudação utilizada no carnaval, que em si é uma orgia de cores, sons e sensações.
Fonte: Dicionário online de Português
disponível em: http://www.dicio.com.br/evoe/
Crepúsculo
Nessas horas eu penso
Nesses caminhos que percorri
Haviam tantos desejos
Todos desejados à ti.
Nesses caminhos que fiz
Nunca deixei sonhos, amores
Sequer plantei flor-de-lis
Mas quando o sol fica tinto
Sei a dor que ora sinto
J.R. Maciel
2010
Nesses caminhos que percorri
Haviam tantos desejos
Todos desejados à ti.
Nesses caminhos que fiz
Nunca deixei sonhos, amores
Sequer plantei flor-de-lis
Mas quando o sol fica tinto
Sei a dor que ora sinto
J.R. Maciel
2010
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
O Cume
No alto daquele Cume
Plantei uma roseira
O vento no Cume bate
A rosa no Cume cheira
Quando vem a chuva fina
Salpicos no Cume caem
Formigas no Cume entram
Abelhas do Cume saem
Quando cai a Chuva grossa
A água do Cume desce
O barro do Cume escorre
o mato no Cume cresce
Então quando cessa a chuva
No Cume volta a alegria
Pois torna a brilhar de novo
O sol que no Cume ardia
Falcão
Plantei uma roseira
O vento no Cume bate
A rosa no Cume cheira
Quando vem a chuva fina
Salpicos no Cume caem
Formigas no Cume entram
Abelhas do Cume saem
Quando cai a Chuva grossa
A água do Cume desce
O barro do Cume escorre
o mato no Cume cresce
Então quando cessa a chuva
No Cume volta a alegria
Pois torna a brilhar de novo
O sol que no Cume ardia
Falcão
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
II
Caminhei pelo tempo
De mãos dadas com a saudade
Mergulhei em turvas águas
Em busca da verdade
Mas o tempo ora finda
E a saudade com impaciência
Abandonará o seu parceiro
Que busca novas essências
J.R. Maciel
2010
De mãos dadas com a saudade
Mergulhei em turvas águas
Em busca da verdade
Mas o tempo ora finda
E a saudade com impaciência
Abandonará o seu parceiro
Que busca novas essências
J.R. Maciel
2010
domingo, 7 de fevereiro de 2010
Carta de João Cabral de Melo Neto a Manuel Bandeira sobre o título do América de 1944
Prezado Manuel,
Ontem, fui dormir feliz. De longe chegou a notícia que o meu querido América vencera o Náutico por 3x0. Em qutro jogos decisivos, três vitórias maiúsculas. O que mais posso eu desejar dessa vida? Apenas me dói o fato de nao estar no Recife. Soube que uma multidão conduziu nossos jogadores até o Bar Savoy. Soube que a Ilha do Retiro foi pequena para acomodar tantos quantos quiseram assistir nosso momento de glória.
Sabe que como me arrependo de ter jogado pelo Santa Cruz. Eu queria, na verdade, usar o manto verde e branco. Mas eram coisas da idade.Manuel, mas apresso-me em te contar. Eu, que como sabes, sou o mais descrente dos crentes, cansado de tantas derrotas durante tantos anos, decidi provocar o Criador.
Quando o ano começou e foram anunciadas as partidas decisivas, absolutamente certo de que o Náutico seria campeão, chamei o Criador para uma armadilha. Disse-lhe que, caso o meu América vencesse, eu me daria por satisfeito. Poderia ser o último título conquistado. Poderia não ser campeão mais nunca. Eu ficaria feliz com aquele título.
Como Deus não existe, ou não haveria essa vida Severina (gostei da expressão, talvez eu torne a usá-la no futuro), seria um mera experiência literária.
No primeiro jogo dessa absurda e interminável disputa final, o inesperado acontece: O América triunfa!
Calei em meu canto, desconfiado. Mas não havia de ser nada. Quase que torcendo contra meu time do coração, aguardei o resultado da segunda peleja. Menos mal, o universo parecia estar voltando para o seu lugar devido. E, durante um certo tempo, acalentei novamente a certeza no meu mundo material. Pois, tu sabes, a inspiração eu deixo contigo. Não me deixo levar por esta quimera.
Manuel. Chegou então o momento do terceiro jogo. Acordei convicto de que li terminavam minhas dúvidas metafísicas. E o América venceu novamente!Tranquei-me em mim mesmo. O mundo inteiro em guerra e eu convalescendo de uma absurda dúvida existencial.Conto a ti estas coisas, pois sei que somos diferentes. Tens inspiração, lirismo, lembranças que eu não consigo ter. Quem sabe, tens até fé em Deus? Não essa fé social, mas uma fé real, idealista. Eu lia versos de Cordel para empregados lá do engenho, eu tinha pena deles, mas um pena racional. Uma pena da vida e da morte daqueles pobres diabos. Que já vivem no inferno.
Mas agora, tratava-se de um fato totalmente diverso. Os céus subitamente ganhavam vida. E o América, subitamente, parecia uma máquina de platina de jogar futebol. Ia triturando os alvirrubros. Sem dó nem piedade.No dia de ontem, fui para meu quarto e lá me tranquei. Li muito. Dormi um pouco. E quando as horas do jogo se escoaram, busquei saber notícias do Recife. Estavam novamente racional. Não cogitava que poderes sobrenaturais controlassem uma pelota, vinte e dois homens e um mero jogo. Mal disfarçando, porem, um certo nervosismo, escutei quando alguem gritou lá de dentro que mandassem me avisar: O América era campeão pernambucano!
Enlouqueci, Manuel. Confesso que perdi meu prumo durante alguns instantes, e caso estivesse em Recife, teria sido uma festa. Imaginei Recife coberto de verde. Vou querer pintar o Bar Amarelinho com outras cores amanhã. E diabos, ninguém conhece meu América aqui no Rio!Agora reestabelecido e feliz, eu sei que tudo não passou de um surto de superstição. Uma insanidade temporária. Uma perda monentânea da razão. O América era de fato um esquadrão invencível. Ano que vem será, aliás daqui a alguns meses, será bicampeão. Hoje somos os campeões de 1944, mesmo estando em 1945. Coisas deste futebol brasileiro, que nunca foi muito sério.
Deus, se é que existe, deve estar cuidando de outras coisas bem mais importantes.Um abraço, meu caro Manuel Bandeira,Do seu primo,João Cabral de Melo Neto.
PS: Perdão se na emoção que agora sinto, a cronologia dos fatos houver me traído a memória. Em tempo, nosso primo Gilberto deve estar descabelando com as derrotas do seu Esporte!
Ontem, fui dormir feliz. De longe chegou a notícia que o meu querido América vencera o Náutico por 3x0. Em qutro jogos decisivos, três vitórias maiúsculas. O que mais posso eu desejar dessa vida? Apenas me dói o fato de nao estar no Recife. Soube que uma multidão conduziu nossos jogadores até o Bar Savoy. Soube que a Ilha do Retiro foi pequena para acomodar tantos quantos quiseram assistir nosso momento de glória.
Sabe que como me arrependo de ter jogado pelo Santa Cruz. Eu queria, na verdade, usar o manto verde e branco. Mas eram coisas da idade.Manuel, mas apresso-me em te contar. Eu, que como sabes, sou o mais descrente dos crentes, cansado de tantas derrotas durante tantos anos, decidi provocar o Criador.
Quando o ano começou e foram anunciadas as partidas decisivas, absolutamente certo de que o Náutico seria campeão, chamei o Criador para uma armadilha. Disse-lhe que, caso o meu América vencesse, eu me daria por satisfeito. Poderia ser o último título conquistado. Poderia não ser campeão mais nunca. Eu ficaria feliz com aquele título.
Como Deus não existe, ou não haveria essa vida Severina (gostei da expressão, talvez eu torne a usá-la no futuro), seria um mera experiência literária.
No primeiro jogo dessa absurda e interminável disputa final, o inesperado acontece: O América triunfa!
Calei em meu canto, desconfiado. Mas não havia de ser nada. Quase que torcendo contra meu time do coração, aguardei o resultado da segunda peleja. Menos mal, o universo parecia estar voltando para o seu lugar devido. E, durante um certo tempo, acalentei novamente a certeza no meu mundo material. Pois, tu sabes, a inspiração eu deixo contigo. Não me deixo levar por esta quimera.
Manuel. Chegou então o momento do terceiro jogo. Acordei convicto de que li terminavam minhas dúvidas metafísicas. E o América venceu novamente!Tranquei-me em mim mesmo. O mundo inteiro em guerra e eu convalescendo de uma absurda dúvida existencial.Conto a ti estas coisas, pois sei que somos diferentes. Tens inspiração, lirismo, lembranças que eu não consigo ter. Quem sabe, tens até fé em Deus? Não essa fé social, mas uma fé real, idealista. Eu lia versos de Cordel para empregados lá do engenho, eu tinha pena deles, mas um pena racional. Uma pena da vida e da morte daqueles pobres diabos. Que já vivem no inferno.
Mas agora, tratava-se de um fato totalmente diverso. Os céus subitamente ganhavam vida. E o América, subitamente, parecia uma máquina de platina de jogar futebol. Ia triturando os alvirrubros. Sem dó nem piedade.No dia de ontem, fui para meu quarto e lá me tranquei. Li muito. Dormi um pouco. E quando as horas do jogo se escoaram, busquei saber notícias do Recife. Estavam novamente racional. Não cogitava que poderes sobrenaturais controlassem uma pelota, vinte e dois homens e um mero jogo. Mal disfarçando, porem, um certo nervosismo, escutei quando alguem gritou lá de dentro que mandassem me avisar: O América era campeão pernambucano!
Enlouqueci, Manuel. Confesso que perdi meu prumo durante alguns instantes, e caso estivesse em Recife, teria sido uma festa. Imaginei Recife coberto de verde. Vou querer pintar o Bar Amarelinho com outras cores amanhã. E diabos, ninguém conhece meu América aqui no Rio!Agora reestabelecido e feliz, eu sei que tudo não passou de um surto de superstição. Uma insanidade temporária. Uma perda monentânea da razão. O América era de fato um esquadrão invencível. Ano que vem será, aliás daqui a alguns meses, será bicampeão. Hoje somos os campeões de 1944, mesmo estando em 1945. Coisas deste futebol brasileiro, que nunca foi muito sério.
Deus, se é que existe, deve estar cuidando de outras coisas bem mais importantes.Um abraço, meu caro Manuel Bandeira,Do seu primo,João Cabral de Melo Neto.
PS: Perdão se na emoção que agora sinto, a cronologia dos fatos houver me traído a memória. Em tempo, nosso primo Gilberto deve estar descabelando com as derrotas do seu Esporte!
Voltando a Pernambuco
Contemplando a maré baixa
nos mangues do Tijipió
lembro a baía de Dublin
que daqui já me lembrou.
Em meio à bacia negra
desta maré quando em cio,
eis a Albufera, Valência,
onde o Recife me surgiu.
As janelas do cais da Aurora,
olhos compridos, vadios,
incansáveis, como em Chelsea,
vêem rio substituir rio.
E essas várzeas de Tiuma
com seus estendais de cana
vêm devolver-me os trigais
de Guadalajara, Espanha.
Mas as lajes da cidade
não em devolvem só uma,
nem foi uma só cidade
que me lembrou destas ruas.
As cidades se parecem
nas pedras do calçamento
das ruas artérias regando
faces de vário cimento,
Por onde iguais procissões
do trabalho, sem andor,
vão levar o seu produto
aos mercados do suor.
Todas lembravam o Recife,
este em todas se situa,
em todas em que é um crime
para o povo estar na rua,
Em todas em que esse crime,
traço comum que surpreendo,
pôs nódoas de vida humana
nas pedras do pavimento.
João Cabral de Melo Neto
nos mangues do Tijipió
lembro a baía de Dublin
que daqui já me lembrou.
Em meio à bacia negra
desta maré quando em cio,
eis a Albufera, Valência,
onde o Recife me surgiu.
As janelas do cais da Aurora,
olhos compridos, vadios,
incansáveis, como em Chelsea,
vêem rio substituir rio.
E essas várzeas de Tiuma
com seus estendais de cana
vêm devolver-me os trigais
de Guadalajara, Espanha.
Mas as lajes da cidade
não em devolvem só uma,
nem foi uma só cidade
que me lembrou destas ruas.
As cidades se parecem
nas pedras do calçamento
das ruas artérias regando
faces de vário cimento,
Por onde iguais procissões
do trabalho, sem andor,
vão levar o seu produto
aos mercados do suor.
Todas lembravam o Recife,
este em todas se situa,
em todas em que é um crime
para o povo estar na rua,
Em todas em que esse crime,
traço comum que surpreendo,
pôs nódoas de vida humana
nas pedras do pavimento.
João Cabral de Melo Neto
Os ombros suportam o mundo
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertam ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
Carlos Drummond de Andrade
Sentimento do Mundo
Fonte: http://carlosdrummonddeandrade.com.br/poemas.php?poema=13
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertam ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
Carlos Drummond de Andrade
Sentimento do Mundo
Fonte: http://carlosdrummonddeandrade.com.br/poemas.php?poema=13
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
Viagem
Nessas asas que ora vejo
Erguerem-se sobre o chão
Levo velhos desejos
Levo sonhos
Solidão.
Levo velhas saudades.
Esperança de amores que ficarão.
J.R. Maciel
Petrolina
Erguerem-se sobre o chão
Levo velhos desejos
Levo sonhos
Solidão.
Levo velhas saudades.
Esperança de amores que ficarão.
J.R. Maciel
Petrolina
Desmontando o frevo - Paulo Leminski
desmontando
o brinquedo
eu descobri
que o frevo
tem muito a ver
com certo
jeito mestiço de ser
um jeito misto
de querer
isto e aquilo
sem nunca estar tranqüilo
com aquilo
nem com isto
de ser meio
e meio ser
sem deixar
de ser inteiro
e nem por isso
desistir
de ser completo
mistério
eu quero
ser o janeiro
a chegar
em fevereiro
fazendo o frevo
que eu quero
chegar na frente
em primeiro
Caprichos e Relaxos
editora Brasiliense, 1985.
o brinquedo
eu descobri
que o frevo
tem muito a ver
com certo
jeito mestiço de ser
um jeito misto
de querer
isto e aquilo
sem nunca estar tranqüilo
com aquilo
nem com isto
de ser meio
e meio ser
sem deixar
de ser inteiro
e nem por isso
desistir
de ser completo
mistério
eu quero
ser o janeiro
a chegar
em fevereiro
fazendo o frevo
que eu quero
chegar na frente
em primeiro
Caprichos e Relaxos
editora Brasiliense, 1985.
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
Verde e Branco
Torço pelo Mequinha
Embora meu amigo sempre tenha me dito
Eu não sou o único.
Eu, seu Barbosa e seu Hugo,
Compartilhamos o mesmo mal
De João Cabral de Melo Neto:
O poeta imortal.
J.R. Maciel
Embora meu amigo sempre tenha me dito
Eu não sou o único.
Eu, seu Barbosa e seu Hugo,
Compartilhamos o mesmo mal
De João Cabral de Melo Neto:
O poeta imortal.
J.R. Maciel
Flora de Mirandiba
Pois é amigos. Enfim concluímos as etapas deste trabalho que começou mais como uma oportunidade do que necessariamente como um projeto.
Acredito que esta obra significa mais do que o pioneirismo em estudos desta natureza no semi-árido. Ela traz o resultado da participação de uma jovem leva de pesquisadores, interessados em colaborar com o conhecimento das plantas da Caatinga. E ela tem a sutil aplicabilidade da ciência básica. Pois dá base para mudança de cenário, já que Mirandiba é reconhecida pelo MMA como uma área prioritária para conservação da Caatinga insuficientemente conhecida.
Além disso, ela é resultante do esforço de um laboratório onde as pessoas são instruídas em se sacrificar em prol da coletividade e representa uma enorme potencialização dos recursos públicos para ciência, já que a coleta de dados foi toda feita com financiamento indireto de projeto de doutorado e disciplina de pós-graduação. Mas é necessário reconhecer o papel da APNE na aplicação de recursos do PPBIO na impressão da obra.
Espero que ela sirva de base para que um dia as palavras ditas a tantas décadas por Euclides da Cunha, seja modificada também e que os erros que nela aparecem sejam motivações para produtos cada vez melhores sobre a rica flora do semi-árido do Brasil.
Acredito que esta obra significa mais do que o pioneirismo em estudos desta natureza no semi-árido. Ela traz o resultado da participação de uma jovem leva de pesquisadores, interessados em colaborar com o conhecimento das plantas da Caatinga. E ela tem a sutil aplicabilidade da ciência básica. Pois dá base para mudança de cenário, já que Mirandiba é reconhecida pelo MMA como uma área prioritária para conservação da Caatinga insuficientemente conhecida.
Além disso, ela é resultante do esforço de um laboratório onde as pessoas são instruídas em se sacrificar em prol da coletividade e representa uma enorme potencialização dos recursos públicos para ciência, já que a coleta de dados foi toda feita com financiamento indireto de projeto de doutorado e disciplina de pós-graduação. Mas é necessário reconhecer o papel da APNE na aplicação de recursos do PPBIO na impressão da obra.
Espero que ela sirva de base para que um dia as palavras ditas a tantas décadas por Euclides da Cunha, seja modificada também e que os erros que nela aparecem sejam motivações para produtos cada vez melhores sobre a rica flora do semi-árido do Brasil.
Águas
Tu passas tão longe,
Tuas curvas não vejo,
Mas esse sol tão brilhante
Refletes imenso
Tuas curvas não vejo,
Mas esse sol tão brilhante
Refletes imenso
Em plácido espelho.
J.R. Maciel,
Petrolina 2010
Sedutora
Não quero conhecer profundo,
tua carne crua;
Nem beber das celestes águas,
do teu rio;
Não quero esmorecer ardendo,
em desvario,
Quando despires teu corpo,
ficando nua.
Tu que a todos bem recebes,
doce e generosa,
Qual mãe que ama um filho novo,
muito orgulhosa,
Ou a pérfida com o seu amante
na cama fria,
Eras o descansar do transeunte,
no fim do dia.
O viajante nunca teme o que o espera
na névoa escura,
Nem do desconhecido que de muito longe,
o espreita.
O seu medo está ao fim da jornada
longa e dura,
Que seu porto final seja a fria sombra,
onde ora deita.
J.R. Maciel
Petrolina, 2010
tua carne crua;
Nem beber das celestes águas,
do teu rio;
Não quero esmorecer ardendo,
em desvario,
Quando despires teu corpo,
ficando nua.
Tu que a todos bem recebes,
doce e generosa,
Qual mãe que ama um filho novo,
muito orgulhosa,
Ou a pérfida com o seu amante
na cama fria,
Eras o descansar do transeunte,
no fim do dia.
O viajante nunca teme o que o espera
na névoa escura,
Nem do desconhecido que de muito longe,
o espreita.
O seu medo está ao fim da jornada
longa e dura,
Que seu porto final seja a fria sombra,
onde ora deita.
J.R. Maciel
Petrolina, 2010
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