Tudo são dores.
Dores de um tempo que se falava mais.
Tempo que se ouvia mais.
Tempo que leva uma parte.
Tempo que já foi parte,
hoje se fragmenta num todo.
Mesmo passado, tudo são dores.
Mesmo que no tempo hajam flores.
J.R. Maciel
quarta-feira, 28 de abril de 2010
Ou isto ou aquilo
Ou se tem chuva e não se tem sol
ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo em dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo . . .
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.
Cecília Meireles
ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo em dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo . . .
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.
Cecília Meireles
A pombinha da mata
Três meninos na mata ouviram
uma pombinha gemer.
"Eu acho que ela está com fome",
disse o primeiro,
"e não tem nada para comer."
Três meninos na mata ouviram
uma pombinha carpir.
"Eu acho que ela ficou presa",
disse o segundo,
"e não sabe como fugir."
Três meninos na mata ouviram
uma pombinha gemer.
"Eu acho que ela está com saudade",
disse o terceiro,
"e com certeza vai morrer."
Cecília Meireles
uma pombinha gemer.
"Eu acho que ela está com fome",
disse o primeiro,
"e não tem nada para comer."
Três meninos na mata ouviram
uma pombinha carpir.
"Eu acho que ela ficou presa",
disse o segundo,
"e não sabe como fugir."
Três meninos na mata ouviram
uma pombinha gemer.
"Eu acho que ela está com saudade",
disse o terceiro,
"e com certeza vai morrer."
Cecília Meireles
Shiiilêncio
A necessidade do silêncio
Leva o dedo riste a boca
E não é o silêncio que procuro.
O dedo que chia na boca
Traz consigo
Batom vermelho-guelra.
Agora eu sei.
Dos afagos
O silêncio é o mais obsceno.
Flávio de Araújo
Leva o dedo riste a boca
E não é o silêncio que procuro.
O dedo que chia na boca
Traz consigo
Batom vermelho-guelra.
Agora eu sei.
Dos afagos
O silêncio é o mais obsceno.
Flávio de Araújo
Água
Falar de ti
é falar de tudo o que passa
no alto dos ventos
na luz das acácias
é esquecer os caminhos
apagar o enredo
é pensar as formas do branco
como teu corpo numa praia
branda e azul
Tua pele não retém as horas
escorres, líquida
sonora
Francisco Alvim
é falar de tudo o que passa
no alto dos ventos
na luz das acácias
é esquecer os caminhos
apagar o enredo
é pensar as formas do branco
como teu corpo numa praia
branda e azul
Tua pele não retém as horas
escorres, líquida
sonora
Francisco Alvim
sábado, 24 de abril de 2010
Se eu fosse apenas...
Se eu fosse apenas uma rosa,
com que prazer me desfolhava,
já que a vida é tão dolorosa
e não te sei dizer mais nada!
Se eu fosse apenas água ou vento,
com que prazer me desfaria,
como em teu próprio pensamento
vais desfazendo a minha vida!
Perdoa-me causar-te a mágoa
desta humana, amarga demora!
– de ser menos breve do que a água,
mais durável que o vento e a rosa...
Cecília Meireles
com que prazer me desfolhava,
já que a vida é tão dolorosa
e não te sei dizer mais nada!
Se eu fosse apenas água ou vento,
com que prazer me desfaria,
como em teu próprio pensamento
vais desfazendo a minha vida!
Perdoa-me causar-te a mágoa
desta humana, amarga demora!
– de ser menos breve do que a água,
mais durável que o vento e a rosa...
Cecília Meireles
sexta-feira, 23 de abril de 2010
Quando
Quando sentes uma dor no peito,
Um amargo adocicado;
Quando sentes horas lentas,
Um arrastar descompassado;
Quando sentes um frio estranho,
E um calor emaranhado;
Quando sentes desejo de presença,
E um pensar mais demorado.
Quando o leito é espaçoso;
Quando o tempo é inexistente;
Quando se sonha acordado;
Quando se faz impaciente;
Este querer apaixonado
Quanto maior é insuficiente.
J.R. Maciel
Um amargo adocicado;
Quando sentes horas lentas,
Um arrastar descompassado;
Quando sentes um frio estranho,
E um calor emaranhado;
Quando sentes desejo de presença,
E um pensar mais demorado.
Quando o leito é espaçoso;
Quando o tempo é inexistente;
Quando se sonha acordado;
Quando se faz impaciente;
Este querer apaixonado
Quanto maior é insuficiente.
J.R. Maciel
Soneto de amor e ódio
Um dia
disse,
que foi
Alice.
Noutro
Analice,
Maria e
Doralice.
Em termos
todas
amou;
em términos
algumas
odiou.
J.R. Maciel
disse,
que foi
Alice.
Noutro
Analice,
Maria e
Doralice.
Em termos
todas
amou;
em términos
algumas
odiou.
J.R. Maciel
A hora do cansaço
As coisas que amamos,
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.
Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra matéria se tornam, absoluta,
numa outra (maior) realidade.
Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nós cansamos, por um outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária,
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.
Do sonho de eterno fica esse gosto ocre
na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar.
Carlos Drummond de Andrade
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.
Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra matéria se tornam, absoluta,
numa outra (maior) realidade.
Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nós cansamos, por um outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária,
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.
Do sonho de eterno fica esse gosto ocre
na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar.
Carlos Drummond de Andrade
Amor
O ser busca o outro ser, e ao conhecê-lo
acha a razão de ser, já dividido.
São dois em um: amor, sublime selo
que à vida imprime cor, graça e sentido.
"Amor" - eu disse - e floriu uma rosa
embalsamando a tarde melodiosa
no canto mais oculto do jardim,
mas seu perfume não chegou a mim.
Carlos Drummond de Andrade
acha a razão de ser, já dividido.
São dois em um: amor, sublime selo
que à vida imprime cor, graça e sentido.
"Amor" - eu disse - e floriu uma rosa
embalsamando a tarde melodiosa
no canto mais oculto do jardim,
mas seu perfume não chegou a mim.
Carlos Drummond de Andrade
Inconfesso Desejo
Queria ter coragem
Para falar deste segredo
Queria poder declarar ao mundo
Este amor
Não me falta vontade
Não me falta desejo
Você é minha vontade
Meu maior desejo
Queria poder gritar
Esta loucura saudável
Que é estar em teus braços
Perdido pelos teus beijos
Sentindo-me louco de desejo
Queria recitar versos
Cantar aos quatros ventos
As palavras que brotam
Você é a inspiração
Minha motivação
Queria falar dos sonhos
Dizer os meus secretos desejos
Que é largar tudo
Para viver com você
Este inconfesso desejo
Carlos Drummond de Andrade
Para falar deste segredo
Queria poder declarar ao mundo
Este amor
Não me falta vontade
Não me falta desejo
Você é minha vontade
Meu maior desejo
Queria poder gritar
Esta loucura saudável
Que é estar em teus braços
Perdido pelos teus beijos
Sentindo-me louco de desejo
Queria recitar versos
Cantar aos quatros ventos
As palavras que brotam
Você é a inspiração
Minha motivação
Queria falar dos sonhos
Dizer os meus secretos desejos
Que é largar tudo
Para viver com você
Este inconfesso desejo
Carlos Drummond de Andrade
quinta-feira, 22 de abril de 2010
Soneto apaixonado
Eis de amor, embalado
Sigo pelo passo.
Entre cordas tantas,
Vivo e me refaço.
Entre signos soltos,
Lançados no espaço,
Esperando... ateio
O fogo do embaraço.
Não se fez doce nem trouxe.
Não quis a pena.
Fez cativo um peito.
E da alma que condena,
Não quer distância,
Quer desejo apenas.
J.R. Maciel
Sigo pelo passo.
Entre cordas tantas,
Vivo e me refaço.
Entre signos soltos,
Lançados no espaço,
Esperando... ateio
O fogo do embaraço.
Não se fez doce nem trouxe.
Não quis a pena.
Fez cativo um peito.
E da alma que condena,
Não quer distância,
Quer desejo apenas.
J.R. Maciel
quarta-feira, 21 de abril de 2010
Timidez
Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve...
— mas só esse eu não farei.
Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes...
— palavra que não direi.
Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,
— que amargamente inventei.
E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo,
até não se sabe quando...
— e um dia me acabarei.
Cecília Meireles
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve...
— mas só esse eu não farei.
Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes...
— palavra que não direi.
Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,
— que amargamente inventei.
E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo,
até não se sabe quando...
— e um dia me acabarei.
Cecília Meireles
quinta-feira, 15 de abril de 2010
Palavra Acesa
Se o que nos consome fosse apenas fome
Cantaria o pão
Como o que sugere a fome
Para quem come
Como o que sugere a fala
Para quem cala
Como que sugere a tinta
Para quem pinta
Como que sugere a cama
Para quem ama
Palavra quando acesa
Não queima em vão
Deixa uma beleza posta em seu carvão
E se não lhe atinge como uma espada
Peço não me condene oh minha amada
Pois as palavras foram pra ti amada
Pra ti amada
Oh! pra ti amada
Palavra quando acesa
Não queima em vão
Deixa uma beleza posta em seu carvão
E se não lhe atinge como uma espada
Peço não me condene oh minha amada
Pois as palavras foram pra ti amada
Pra ti amada
Oh, pra ti amada
Pra ti amada
Fernando Filizola
Quinteto Violado
- essa música foi parte da trilha sonora de uma novela da rede globo da década de 1980 (eu não sei o nome) e só lembrava do início, do primeiro verso. Graças a Internet (a melhor coisa que Deus criou) encontrei a música!
Cantaria o pão
Como o que sugere a fome
Para quem come
Como o que sugere a fala
Para quem cala
Como que sugere a tinta
Para quem pinta
Como que sugere a cama
Para quem ama
Palavra quando acesa
Não queima em vão
Deixa uma beleza posta em seu carvão
E se não lhe atinge como uma espada
Peço não me condene oh minha amada
Pois as palavras foram pra ti amada
Pra ti amada
Oh! pra ti amada
Palavra quando acesa
Não queima em vão
Deixa uma beleza posta em seu carvão
E se não lhe atinge como uma espada
Peço não me condene oh minha amada
Pois as palavras foram pra ti amada
Pra ti amada
Oh, pra ti amada
Pra ti amada
Fernando Filizola
Quinteto Violado
- essa música foi parte da trilha sonora de uma novela da rede globo da década de 1980 (eu não sei o nome) e só lembrava do início, do primeiro verso. Graças a Internet (a melhor coisa que Deus criou) encontrei a música!
terça-feira, 13 de abril de 2010
Árvores do Alentejo
Ao prof. Guido Battelli
Horas mortas... curvadas aos pés do monte
A planície é um brasido... e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!
E quando, manhã alta, o sol posponte
A ouro, a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horinzonte!
Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!
Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
- Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota d’água!
Floberla Espanca
Horas mortas... curvadas aos pés do monte
A planície é um brasido... e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!
E quando, manhã alta, o sol posponte
A ouro, a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horinzonte!
Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!
Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
- Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota d’água!
Floberla Espanca
sábado, 10 de abril de 2010
A árvore da serra
- As árvores, meu filho, não têm almas!
E esta árvore me serve de empecilho...
É preciso cortá-la, pois meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!
- Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pôs almas nos cedros... no junquilho...
Esta árvore, meu pai, possui minh’alma!...
- Disse – e ajoelhou-se, uma rogativa:
“Não mate a árvore, pai, para que eu viva!”
E quando a árvore, olhando a pátria serra,
Caiu aos golpes do machado branco,
O môço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra!
Augusto dos Anjos
Eu.
Livraria São José, Rio de Janeiro, 1969
E esta árvore me serve de empecilho...
É preciso cortá-la, pois meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!
- Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pôs almas nos cedros... no junquilho...
Esta árvore, meu pai, possui minh’alma!...
- Disse – e ajoelhou-se, uma rogativa:
“Não mate a árvore, pai, para que eu viva!”
E quando a árvore, olhando a pátria serra,
Caiu aos golpes do machado branco,
O môço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra!
Augusto dos Anjos
Eu.
Livraria São José, Rio de Janeiro, 1969
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